Por Patrícia Fonseca
“Alvorar” foi o poema que António Lúcio Vieira escreveu para celebrar os 25 anos do 25 de Abril de 1974. Foi impresso num cartaz, penso que criado por um amigo artista plástico, e estava afixado logo à entrada da sua casa, em Torres Novas. Logo na minha primeira visita, alguns meses depois de ter editado o seu livro “25 Poemas de Dores e Amores”, pousei os olhos nestas palavras e perguntei inocentemente: “Em que livro está publicado?” Não estava. E não está. Foi apenas sendo partilhado entre amigos – ele tinha esta “mania”, como lhe chamava, de oferecer poemas, às vezes em papel, outras num dos e-mails que enviava a meio das suas madrugadas de escrita. Foi impresso naquele cartaz e, depois, num pequeno marcador de livros que fiz para oferecer na Feira do Livro de Lisboa onde fomos juntos em 2018, apresentar o seu livro, vencedor da 1ª edição do Prémio Literário do Médio Tejo.

Haverá sempre cravos na poesia de António Lúcio Vieira, e por isso eles forram a capa interior do livro que publicámos, e por isso oferecemos também cravos a todos os que estiveram no lançamento do livro na Biblioteca de Torres Novas. Pedro Barroso, que escreveu o prefácio, tinha-se encontrado connosco pouco antes, num café da cidade, e recebeu um cravo das nossas mãos com um sorriso irónico, perguntando: “Sabem que estamos em dezembro, certo?” Rimos e o Lúcio pôs logo as culpas em mim: “Ideias desta menina… não tive nada a ver com isto!” Ontem como hoje, meus saudosos amigos, Abril vive nas vossas palavras – e será quando quisermos.
*Com um abraço especial a alguns amigos do Lúcio, que dele receberam este e tantos outros poemas, e que foram o que de mais precioso ele teve na vida. Ele não vos esquecia, como nós nunca o esqueceremos.
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“Alvorar”
era quase alvor a liberdade
era quase a vida quase a voz
era um rio em cheia quase foz
brandos ventos feitos tempestade
e foi alevantado este meu povo
gente viva erguida agigantada
era um tempo velho feito novo
tempo aceso luz na alvorada
aí nasceu esta ânsia de nascer
de novo neste chão por amanhar
chão regado a pranto e a sofrer
chão de medos chão de tanto esperar
e das noites algemadas de morrer
e das horas avisadas de acordar
que eu sou do povo que então quis saber
quanto de si o povo sabe dar
e sou também desta terra feita
de cravos de soldados e canções
da pátria onde me deito e onde se deita
a gesta que moldou mil gerações
e sou o filho e sou também irmão
dessa gente que já vive na memória
sou da noite de escrever libertação
com a pena do poeta coração
e as musas de inventar a nova história
e era assim o dia a madrugar
no sangue e no fio de uma espada
esperança tanto sonho embainhada
olhos tanta noite a vigiar
e as lágrimas que correram tanto mar
e as vozes que rasgaram tanta estrada
e as armas onde a flor se viu plantada
não eram já as armas de matar
que o povo tem no peito e na raiz
a seiva da floresta libertada
aqui e era abril e era amar
estava a renascer o meu país
quando se alvorou a madrugada.