“Elisa”, um romance que nos faz viajar no tempo, para a aldeia de S. Simão, no Sardoal, em meados do século passado, será lançado no sábado, dia 30 de novembro, às 16h00, no Trincanela CB-53, em Abrantes. Este quarto livro de Manuel Soares Traquina, publicado pela Médio Tejo Edições, será apresentado pelo historiador José Martinho Gaspar, que também assina o prefácio da obra.
“Os livros de Manuel Soares Traquina são histórias de amor, daquelas que talvez já não existam. ‘Elisa’ não foge à regra. O autor acredita (…) que o amor, essa força mágica, quase inexplicável e capaz de nos colocar na senda do impossível, é o combustível da vida e aquilo que verdadeiramente lhe dá sentido”, escreve Martinho Gaspar.
“Com uma escrita elegante, escorreita, capaz de nos pôr dentro da pintura que está a criar, fazendo de nós figurantes, o pintor, perdão, escritor Manuel Soares Traquina, transporta-nos para a aldeia de S. Simão, no concelho de Sardoal, em meados do século XX. Uma aldeia sem estradas de acesso, com pouca ou nenhuma ligação ao exterior. (…) Este quotidiano duro, de provações continuadas, era entrecortado por momentos marcantes de sociabilidade e festa. As missas e procissões, mas também os arraiais, as festividades cíclicas e os ritos de passagem permitiam fixar o olhar no horizonte e avançar com determinação. A quebra do quotidiano fazia-se na taberna, na igreja, no terreiro onde se engendrava um baile ao toque de uma gaita de beiços, mas também junto a ribeiras e outros espaços idílicos onde se vivia a aventura de um primeiro beijo.”
Manuel Soares Traquina nasceu precisamente em São Simão, “num remoto fevereiro do século passado”, como prefere dizer. Fez toda a carreira profissional na banca comercial mas as artes fizeram sempre parte do seu percurso. É um leitor devoto dos clássicos e um cultor da palavra escrita, tendo publicado anteriormente os romances “Sortilégios”, “O Pego das Bruxas” e “Desamores”. Além disso, é um pintor de excelência (a pintura a óleo reproduzida na capa do livro é da sua autoria), tendo sempre na Natureza o modelo inspirador.
No preâmbulo deste novo livro, o autor explica o que o motivou a revisitar os cenários da sua infância.
“O tempo, incorrigível fazedor e arquivador de memórias, meu inimigo, perturbador de coisas adormecidas, nunca perde oportunidade de me desinquietar. Uma vez por outra, espicaça-me, desafia-me a dar-lhes vida, ressuscitá-las. Sem muito esforço, sobretudo as mais remotas, porque as menos esbatidas, perseguem-nos pela vida fora. Colam-se-nos à pele; as menos agradáveis importunam-nos, angustiam-nos; as outras alimentam-nos, confortam-nos, gratificam-nos.
Li algures, e há tanto tempo que esqueci lugar e autor, que a escrita como fruto de labor intelectual não se deve tanto à criatividade como à memória. Muita da ficção não passaria, assim, de um evocar de vivências pessoais, de um desenterrar de recordações que se ampliam, se entrelaçam em detalhes a que se concedem liberdades de embelezamentos e floreados.
Este arremedo de romance nasceu da persistência dessas reminiscências do passado que vão desafiando sentimentos de perda e inconformismo. Recordações de infância não se compadecem com romantismos exacerbados, mas à idade contemplativa não se pode recusar o sentimentalismo das memórias.
Nasceu de uma visita casual. Nem peregrinação, nem romagem; curiosidade, apenas, sobre se os malefícios do tempo teriam prevalecido sobre a constância da Natureza. A conclusão é irrelevante: São Simão terá perdido muito do seu encanto e dos seus atractivos de outros tempos. Simplesmente, quem viveu a aldeia retém dela, do seu modo de vida, do seu bulício, uma imperecível lembrança romântica.
A aldeia é outra, a Natureza foi vencida e as tradições apagadas; a ribeira é um fio de água porque também outros são os Invernos. Já não há cheias nem frios rigorosos. Já não há fundões onde mergulhávamos no Verão, mas o cheiro da água mantém-se, numa memorização estranha. Já não há lareiras onde à noite as pessoas se sentavam a conversar e as chaminés, donde saia um cheiro a lenha queimada e o fumo azul transparente, que, como gaze, ficava a pairar sobre todo o vale, expelem agora inodoros e letais vapores de gás.
Com o encerramento da escola foi-se o chilrear feliz das crianças que hoje são raras e sujeitas a uma educação moderna, mais exigente, longe da aldeia. A capela não passa do símbolo solitário de uma religiosidade perdida. Da rusticidade antiga restam a São Simão menos que escassos vestígios: um ou dois velhos que, da soleira da porta, olham para o passado com o ar triste de quem é velho e, provavelmente a recapitular as suas vidas, perplexos e desajustados dos novos tempos.
(…) Elisa e André, e as demais personagens que fazem parte desta história são figuras reais, não como tal, mas como modelos com cuja existência, sentimentos e sonhos convivemos e que não nos custam aceitar. As suas atribulações são intemporais, salvaguardadas, apenas, as circunstâncias sociais que as determinaram. São-nos familiares tormentos e adversidades, atribulações e mágoas, pois decorrem das singularidades do comportamento humano.
O São Simão da Elisa e do André não existe desde há muito porque o devir temporal é implacável. Persiste, contudo, como ideia romântica de um tempo e vivência, fonte de inspiração para este livro.”